Galera de Cristo 06 - A Fonte do Avivamento
"Jamais me esquecerei dos treus preceitos, pois é por meio deles que preservas a minha vida" - Salmo 119.93
O Salmo 119 é geralmente lembrado por ser o capítulo mais longo da Bíblia e, também, por referir-se, quase que exclusivamente, à importância da Palavra de Deus para a vida do cristão. Mergulhar no Salmo 119 é um ótimo e prazeroso exercício para o cristão, buscando entender melhor o que ele ensina. Embora, por si só, o Salmo 119 sirva para inspirar um livro inteiro em 2 ou 3 volumes, alguns versículos merecem ser brevemente destacados.
A estrutura do Salmo 119 é bem conhecida. É um salmo composto de 22 estrofes, uma para cada letra do alfabeto hebraico, de “Álefe a Tau”, ao que corresponderia a “de A a Z” no nosso alfabeto ocidental, ou seja, é um poema em acróstico com as 22 letras do alfabeto hebraico compostas em estrofes. Cada estrofe é composta de 8 versículos, que, no original hebraico, começam com a mesma letra a que se refere a estrofe. Oito também são os sinônimos, em hebraico, para as palavras que se referem à Palavra de Deus, geralmente traduzidas em português por:
1) lei - תּורה - tôrâh ;
2) testemunhos - עדוּת - ‛êdûth;
3) preceitos - פּקּוּד - piqqûd ;
4) estatutos - חקּה - chûqqâh ;
5) mandamentos - מצוה - mitsvâh ;
6) juízos - משׁפּט - mishpât ;
7) palavra - דּבר - dâbâr ;
8) ordenanças - מנּי - minnêy.
Importante esclarecer que há 19 ocasiões em que o termo hebraico traduzido por "palavra" é אמרה - 'imrâh - que, embora seja sinônimo também de "lei", tem nesses casos o sentido de "promessa", como num dos versículos mais conhecidos do Salmo, o v. 11 ("Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti"). Repare no contraste até certo ponto inusitado: não é exatamente a "palavra" de Deus como "lei", "mandamento", que devemos esconder no coração para não pecar contra Ele, mas a Sua "promessa"! Os outros versículos em que "lei" como "promessa" aparece são os vv. 38, 41, 50, 58, 67, 76, 82, 103, 116, 123, 133, 140, 148, 154, 158, 162, 170 e 172. Interessante também observar que, mesmo escrevendo em grego, mais tarde Paulo manterá essa estreita ligação entre "lei" e "promessa", mais especificamente em Efésios 6:2 - "Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa").
Somente dois versículos (122 e 132) não contêm um desses termos sinônimos nem se referem explicitamente à Palavra de Deus. Ou seja, ao que parece, o escritor do Salmo, divinamente inspirado, quis compor um hino à beleza e à perfeição, procurando abranger num único poema a totalidade dos atributos da Palavra de Deus. Outra razão possível para essa estrutura peculiar e repetitiva é o fato de se poder ensinar a importância da Palavra aos jovens e às crianças, que teriam uma maneira mais fácil de aprender e memorizar o Salmo, pelo menos em partes, já que cada estrofe utiliza pelo menos 6 desses sinônimos e contém em si mesma um resumo de tudo o que o salmista quer dizer.
A autoria do Salmo 119 é desconhecida e controversa, embora alguns estudiosos a atribuam a Esdras, enquanto a maioria prefere se manter afastada desta polêmica. Aqueles que atribuem a Esdras o Salmo 119 filiam-se à corrente de estudiosos que identifica indícios de sua composição após o exílio babilônico por um sacerdote ou levita . Esses indícios seriam as referências aos "poderosos" do v. 23, ao falar "diante de reis" do v. 46, de ter o Senhor como "herança" no v. 57, e de ser perseguido por "governantes" no v. 161. De fato, existe uma considerável probabilidade de que os eventos que se sucederam ao retorno do exílio babilônico tenham motivado Esdras, Neemias e os levitas a comporem o Salmo que prega exatamente a fidelidade à Lei de Deus e o arrependimento pelo fato do povo ter dela se desviado. Quando o capítulo 9 de Neemias narra a confissão coletiva do povo de Israel, termina com "um firme concerto e o escrevemos; e selaram-no os nossos príncipes, os nossos levitas e os nossos sacerdotes" (v. 38). O capítulo 10 enumera as famílias dos que firmaram este pacto, que, segundo o v. 29, "firmemente aderiram a seus irmãos, os mais nobres de entre eles, e convieram num anátema e num juramento, de que andariam na Lei de Deus, que foi dada pelo ministério de Moisés, servo de Deus; e de que guardariam e cumpririam todos os mandamentos do SENHOR, nosso Senhor, e os seus juízos e os seus estatutos", atitude corroborada pelo v. 106 do Salmo 119, em que o salmista proclama: "Jurei e cumprirei que hei de guardar os teus justos juízos". Repare que somente em Neemias 10:29 aparecem quatro termos diretamente associados à Palavra de Deus: "Lei", "mandamentos", "juízos" e "estatutos". Se já era típico do povo hebreu a repetição de termos para fixá-los ainda mais, este comportamento foi ainda reforçado após o retorno do exílio.
Como Neemias 9:38 expressamente narra, aquele pacto foi "escrito". Logo, dada a sua forma única e, por assim dizer, extravagante de composição, o que lhe dá lugar de destaque no Saltério, supõe-se também que o Salmo 119 tenha sido - talvez - o único a ter sido originalmente composto por escrito, para depois ser lido ou recitado cerimonialmente, enquanto os outros eram geralmente compostos inicialmente de forma verbal ou cantada, por serem obviamente mais simples e fáceis de memorizar.
O texto-base para este estudo é a versão Almeida Revista e Corrigida, intercalado com outras versões expressamente citadas. O versículo que sempre me havia chamado mais a atenção no Salmo 119 é o 9: “Como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o de acordo com a tua palavra.”
Acho que todos nós, jovens ou não tão jovens, buscamos sempre, com a melhor das intenções, viver e manter um caminho puro. O Salmo 119:9 diz que a melhor (ou única) maneira é observar e alinhar o nosso caminho à Palavra de Deus.
Face ao pecado, o salmista nos dá uma lição no verso 11: “Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti.”
“Esconder a palavra no coração” foi sempre um recurso usado pelos cristãos em épocas de perseguição, do Império Romano à Era Comunista, mas quantos de nós realmente nos preocupamos em guardar a palavra no coração para não pecar contra Deus? É interessante que a própria raiz latina da palavra “decorar” (no sentido de “memorizar”) vem do coração (“de cuore”), ou seja, significa “guardar no coração”. Mais interessante ainda é que o próprio idioma inglês conserva este significado, já que “decorar” em inglês se diz “to learn by heart”. Como vimos anteriormente, a palavra hebraica aqui traduzida por "palavra" não significa exatamente "lei" ou "mandamento", mas "promessa". O que deve nos animar, portanto, a uma vida fiel para com Deus é a Sua promessa de companhia e salvação.
O salmista reconhece no verso 18 que, para entender as maravilhas da Palavra de Deus, é preciso que Ele desvende os seus olhos, como se houvesse (como de fato há) uma visão espiritual da Palavra, uma espécie de chave que só a intimidade com o Senhor concede àquele que ama seus juízos.
O salmista também se confessa peregrino na terra (v. 19), e repete esta idéia no verso 54 quando diz que “os teus estatutos têm sido os meus cânticos na casa da minha peregrinação”. Ao que parece, o peregrino deve estar sempre cantando. A Bíblia do Peregrino traduz este versículo por “ Tuas normas eram minha música em casa estrangeira ”, a Bíblia de Jerusalém por “ teus estatutos são cântico para mim, para minha casa de peregrino ”, e a Nova Versão Internacional (NVI) por “os teus decretos são o tema da minha canção em minha peregrinação”. A exemplo de tantos homens de Deus, muitos listados em Hebreus 11 (em especial no v. 13), o salmista assume-se como peregrino nesta terra, atribuindo à Palavra de Deus o caráter de “companheira” de peregrinação nesta “terra estrangeira” que é o mundo para os filhos de Deus.
A estrofe que eu mais gostei, nesta meditação, no Salmo 119, é aquela correspondente à letra hebraica Dálete (versos 25-32, versão Almeida Revista e Atualizada): 25. A minha alma apega-se ao pó; vivifica-me segundo a tua palavra. 26. Meus caminhos te descrevi, e tu me ouviste; ensina-me os teus estatutos. 27. Faze-me entender o caminho dos teus preceitos; assim meditarei nas tuas maravilhas. 28. A minha alma se consome de tristeza; fortalece-me segundo a tua palavra. 29. Desvia de mim o caminho da falsidade, e ensina-me benignidade a tua lei. 30. Escolhi o caminho da fidelidade; diante de mim pus as tuas ordenanças. 31. Apego-me aos teus testemunhos, ó Senhor; não seja eu envergonhado. 32. Percorrerei o caminho dos teus mandamentos, quando dilatares o meu coração.
O verso 25 lembra o conselho de Jeremias, em Lamentações 3:29, quando ele recomenda que o jovem coloque a boca no pó, em atitude de silêncio, adoração e humilhação diante de Deus. A NVI traduz o verso 25 assim: “ agora estou prostrado no pó; preserva a minha vida conforme a tua promessa ”. Observe a sinonímia entre os termos "palavra" e "promessa" para a mesma fonte hebraica, dâbâr, mais traduzida como "palavra". Embora o original hebraico aqui seja dâbâr, a NVI prefere traduzi-la por "promessa". O salmista está prostrado no pó, mas “cobra” a promessa de Deus para preservar a sua vida. “Apegado ao pó”, como a Bíblia do Peregrino comenta, significa “estar nas últimas”, na mesma situação do Salmo 44:25 (“ Pois a nossa alma está abatida até o pó; o nosso corpo pegado ao chão ”). O salmista, entretanto, não fica somente prostrado no pó, mas no verso 26, ele diz que descreve os seus caminhos ao Senhor. Ele se silencia em espírito, mas abre a sua boca para confessar ao Senhor os caminhos que trilhou. A Bíblia do Peregrino traduz esta atitude por “ eu te contei as minhas andanças ”. A Bíblia de Jerusalém traduz assim: “ enumero meus caminhos ”. Fica claro, para mim, que esta é a mesma atitude de Davi, nos seus salmos de confissão, o 32 e 51, quando busca a sinceridade diante de Deus e não esconde os seus pecados, em especial no verso 5 do salmo 32: “Confessei-te o meu pecado, e a minha iniquidade não encobri. Disse eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a culpa do meu pecado.”
Davi sabia que “ o sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus ” (Salmo 51:17). Por isto ele contou as suas andanças, enumerou os seus caminhos, com sinceridade de coração, dando nome aos pecados cometidos e confessados, e este é um requisito essencial para que Deus nos ouça e nos ensine os Seus estatutos. O salmo mais antigo escrito na Bíblia, por Moisés, já usava o recurso de “enumerar” os dias, pedindo a Deus o auxílio: “Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos coração sábio.” (Salmo 90:12) Ouso dizer que Deus não está em busca de super-heróis que insistem em ficar de pé mesmo quando tudo vai mal, mas Ele busca homens e mulheres que não têm vergonha de prostrar-se no pó, confessar os seus pecados e a sua impotência para lidar com a situação, e aguardar pacientemente pela Sua promessa de preservar-lhes a vida. No verso 38, novamente o salmista clama pela promessa de Deus: “Confirma a tua promessa ao teu servo, que se inclina ao teu temor.”
Mas agora o salmista inclui outro elemento na sua oração, o temor de Deus, e se diz “ companheiro de todos os que te temem ” (v. 63), aborrecendo todo caminho falso (v. 128) e buscando os seus preceitos para que possa andar em liberdade (v. 45). A versão Almeida Revista e Corrigida é mais feliz na tradução do v. 45 do que a Atualizada que diz "andarei com largueza". A Bíblia de Jerusalém traduz por "caminho largo" a palavra hebraica רחב - râchâh - que transmite a ideia de que se pode caminhar livremente em todas as direções. A NVI retoma este sentido ao traduzir o v. 45 desta maneira: "Andarei em verdadeira liberdade, pois tenho buscado os teus preceitos". Ao contrário do que muitos imaginam, o salmista associa a observância da lei de Deus à verdadeira liberdade, a poder se portar e se conduzir livremente neste mundo, algo que o apóstolo Tiago aproveita em seu ensino: Tiago 1:25 Entretanto aquele que atenta bem para a lei perfeita, a da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte esquecido, mas executor da obra, este será bem-aventurado no que fizer. Tiago 2:12 Falai de tal maneira e de tal maneira procedei, como havendo de ser julgados pela lei da liberdade.
Os momentos de angústia fazem parte do caminho do fiel, e a consolação para ele vem da esperança na Palavra que vivifica (vv. 49-50). Quando o salmista afasta-se da Palavra, o resultado automático é a aflição, sobre a qual refletiremos a fundo mais adiante: 67. Antes de ser afligido, andava errado; mas agora guardo a tua palavra 71. Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatuto 75. Bem sei eu, ó SENHOR, que os teus juízos são justos e que em tua fidelidade me afligiste 76. Sirva, pois, a tua benignidade para me consolar, segundo a palavra que deste ao teu servo.
Mesmo quando desfaleceu a sua alma, esperando por este resgate, o salmista continuou confiando na Palavra de Deus: 81. Desfaleceu a minha alma, esperando por tua salvação; mas confiei na tua palavra.
Calvino assim interpreta este versículo: "O salmista sugere que, embora tivesse sido castigado com tristeza contínua, não percebendo nenhuma solução para suas aflições, a tribulação e a fadiga não produziram um efeito tão perturbador em sua mente, a ponto de impedi-lo de descansar sempre com confiança em Deus. Para tornar o significado ainda mais distinto, é preciso introduzir a segunda sentença, que, obviamente, é adicionada à guisa de exposição. Ali, ele afirma que confia em Deus; este é o fundamento de tudo. Mas, tencionando expressar a invencível constância de sua confiança, ele nos informa que suportou pacientemente todas as angústias, sob as quais outros sucumbiriam. Vemos alguns abraçando com profundo ardor as promessas de Deus; no entanto, seu ardor desvanece em pouco tempo; ou, pelo menos, se acaba com a adversidade. No caso de Davi, isso estava descartado. O verbo כּלה (kâlâh), que significa desfalecer ou consumido, parece comunicar, à primeira vista, um sentido diferente. O profeta, porém, nesta passagem, assim como em outras, ao usar o vocábulo desfalecer, tem em mente a paciência que continua a ser nutrida por aqueles que se acham privados de toda força e parecem já quase mortos e inspira seus corações com gemidos secretos, que não podem ser expressos. Este desfalecimento do salmista é o oposto da fragilidade daqueles que não podem suportar uma demora muito longa.(CALVINO, João. Salmos. São José dos Campos: Fiel, 2009. Vol. 4, p. 233)
Um dado curioso no Salmo 119 é que, ao que parece, muito tempo antes disto vir a ser conhecido, o salmista já conhecia os efeitos danosos do colesterol, pois ao comentar sobre os soberbos, ele diz: 70. Engrossa-se-lhes o coração como gordura, mas eu me alegro na tua lei.
Neste versículo, há uma interpretação interessante que reforça a tese da, por assim dizer, "antecipação científica": como os fisiologistas hoje sabem, a gordura do corpo humano é insensível, ao contrário das membranas que a revestem, o que era um dado talvez observado empiricamente, mas - muito provavelmente - desconhecido para o homem contemporâneo de Davi. Calvino tem uma tradução interessante para este versículo: "A isto corresponde a afirmação no versículo seguinte [v. 70], a de que o coração deles é gorduroso como sebo - um erro tão comum entre os desprezadores de Deus. Donde provém que os homens perversos, cuja própria consciência remorde seu interior, se vangloriem tão insolentemente contra os mais eminentes servos de Deus? Isso não ocorre porque certa densidade envolve excessivamente seus corações, de modo que se tornam insensíveis e enfurecidos por sua própria obstinação? Maravilhosa, porém, e digna do mais elevado louvor é a magnanimidade do profeta que encontrou todo seu deleite na lei de Deus. É como se ele declarasse que este era o alimento com que se nutria e com que era renovado no mais elevado grau; e isso não poderia ter acontecido, se o seu coração não houvesse sido libertado e plenamente purificado de todos os prazeres profanos." (CALVINO, João. Salmos. São José dos Campos: Fiel, 2009. Vol. 4, pp. 227-8)
A Bíblia de Estudo NVI diz que a tradução literal é que o coração dos soberbos fica “gordo como graxa”, o que é uma constatação no mínimo curiosa para alguém que viveu milênios antes dos avanços científicos do século XX. Em contraste, no verso 32, já citado antes, o salmista diz que percorrerá os caminhos dos mandamentos de Deus, quando Ele lhe “dilatar o coração”. A NVI diz que a versão hebraica literalmente quer dizer “aumentar o coração com alegria”, comparando-a com Isaías 60:5, que diz: “Então o verás e ficarás radiante, o seu coração pulsará forte e se encherá de alegria.”
De qualquer maneira, o contraponto que o salmista propõe ao "coração gorduroso" no v. 70 é o "deleitar-se na lei de Deus", ideia que repete nos vv. 16, 47, 77 e 92. O crente deve ter prazer na lei de Deus, deve se deliciar nela, ainda que Paulo alerte para o fato deste prazer estar intrinsecamente ligado ao homem interior: Romanos 7 22. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus 23. mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e me levando cativo à lei do pecado, que está nos meus membros. 24. Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte? 25. Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado.
Teria realmente sido difícil se Paulo parasse por aí, mas a divisão da Bíblia em capítulos às vezes pode fazer-nos perder a beleza que se segue no versículo imediatamente posterior a Romanos 7:25, ou seja: Romanos 8 1. Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. 2. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. 3. Porquanto o que era impossível à lei, visto que se achava fraca pela carne, Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por causa do pecado, na carne condenou o pecado. 4. para que a justa exigência da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Ainda, portanto, que tenhamos prazer na lei de Deus, nossa carne duela contra nosso espírito, que é a sede deste prazer, mas a graça de Deus nos supre e nos ajuda a andar no Espírito Santo vencendo as tentações da carne.
Por fim, o último versículo do salmo (v. 176), à primeira vista pode dar a impressão de que o salmista se havia desviado dos caminhos do Senhor, e clama a Ele para que o resgate, dizendo isto: 176. Desgarrei-me como a ovelha perdida; busca o teu servo, pois não me esqueci dos teus mandamentos.
Entretanto, Calvino tem uma explicação interessante para este versículo: "Aqui, ele não deve ser entendido como a confessar seus pecados - uma opinião erroneamente mantida por muitos -, como se tivesse sido atraído às ciladas de Satanás, pois isto é inconsistente com a segunda sentença, na qual ele nega haver esquecido a lei de Deus. É uma paupérrima solução para esta dificuldade dizer que, antes do tempo de sua chamada, ele era uma ovelha desgarrada, e que, depois de sua chamada, se devotara à piedade - ou afirmar que, ao desviar-se, ele foi impedido, por alguma afeição piedosa, de desligar-se completamente do temor de Deus; pois o mesmo tempo verbal é referido em ambas as sentenças. Além disso, é fácil deduzir que as duas sentenças deste versículo devam ser conectadas por embora, ou apesar disso, ou alguma outra partícula desse tipo, que o latim denomina de adversativa, como se o profeta quisesse dizer: Embora eu tenha perambulado como uma ovelha perdida, não tenho esquecido a lei de Deus. Imagino que ele pretendia dizer que perambulava porque, sendo perseguido pela força e violência de seus inimigos, movia-se de um lugar para outro em grande temor, buscando refúgios em que pudesse ocultar-se. Por certo, sabemos que Davi era perseguido de tal modo, que em seu exílio não achava nenhum lugar seguro. Esta comparação se lhe aplica mui apropriadamente, porque, embora fugisse e fosse procurado por seus perseguidores, nunca se desviava da lei de Deus. Além do mais, como lobos o perseguiam por toda parte, ele orava para que Deus o trouxesse de volta e lhe desse um lugar de segurança e tranquilidade, a fim de que, por fim, cessasse de perambular daqui para ali, como se fosse um vagabundo. Ele tinha muitos motivos para crer que seria ouvido quanto a isso, pois, embora fosse provocado por injustiças, nunca se desligara do temor de Deus. Essa declaração deve ser aplicada ao curso geral de sua vida, e não a atos específicos. Embora, quando caiu em adultério, ele tenha permanecido por algum tempo num estado de insensibilidade, não podemos negar que, em suas adversidades, ele foi restringido por uma paciência santa, para que perseverasse em seguir a justiça." (CALVINO, João. Salmos. São José dos Campos: Fiel, 2009. Vol. 4, pp. 315-6)
São muitas as lições e referências do Salmo 119, daí a importância de se concentrar num tema específico para extrair dele o máximo possível. Um desses temas já nos referimos anteriormente e vamos explorá-lo mais detidamente: a aflição. O salmista diz no v. 71 que “foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos”. Soa estranho ver algo bom na aflição, na tribulação, ainda mais numa época em que o discurso triunfalista de muitos líderes evangélicos no Brasil ensina que a aflição é coisa do diabo e que o sinal distintivo do cristão é exatamente a ausência de aflição. Por sinal, nada mais estranho ao salmista do que o discurso da assim chamada "teologia da prosperidade", conforme fica claro no v. 14: "Folgo mais com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas". Infelizmente, muitos líderes evangélicos brasileiros reescreveriam este versículo assim: "Folgo mais com todas as riquezas do que com o caminho dos teus testemunhos". Entretanto, o salmista não dá atenção especial às riquezas e enaltece a aflição como uma espécie de “terapia”, por assim dizer, ainda que dolorosa, para se aprender e fixar os ensinamentos da Palavra de Deus. Esta é certamente a experiência de muitos cristãos, que através da dor e do sofrimento se achegam mais a Deus e à Sua Palavra. No v. 67 o salmista já dizia que “antes de ser afligido, eu me extraviava; mas agora guardo a tua palavra”, o que lhe dá a firmeza a que se refere no v. 133 (“Firma os meus passos na tua palavra; e não se apodere de mim iniquidade alguma”).
Esta ideia da aflição como uma etapa necessária do crescimento espiritual do cristão é recorrente nas Escrituras. No Novo Testamento, Paulo retoma este tema: Romanos 5 3. E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a perseverança, 4. e a perseverança a experiência, e a experiência a esperança; 5. e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 2ª Coríntios 1 3. Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, 4. que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus. 5. Porque, como as aflições de Cristo transbordam para conosco, assim também por meio de Cristo transborda a nossa consolação.
Logo, o cristão não deve fugir das aflições e tribulações a todo custo, ou ver nelas uma negativa do socorro divino. O próprio salmista apela a Deus dizendo: “olha para a minha aflição, e livra-me, pois não me esqueço da tua lei” (Salmo 119:153). Neste caso ele não estava sendo afligido para que aprendesse a lei como havia dito no v. 71, mas mesmo não se esquecendo dela, estava passando por aflição e clamava a Deus por livramento. Este sentimento fica mais explícito no v. 143, quando confessa que “tribulação e angústia se apoderaram de mim; mas os teus mandamentos são o meu prazer”. Nada mais contundente, portanto. Mesmo com tribulação e angústia “tomando posse” do salmista, a Palavra de Deus continuava sendo o seu grande prazer, algo completamente diferente do que se ensina nas igrejas hoje como “tomar posse”. Na tribulação e na angústia, o salmista encontrava prazer nos mandamentos de Deus, não porque os havia transgredido antes, mas por aceitar que o sofrimento e a dor faziam parte do seu crescimento espiritual. Guardadas as devidas proporções, sua atitude se assemelha àquela que Paulo atribui a Abraão, que “à vista da promessa de Deus, não vacilou por incredulidade, antes foi fortalecido na fé, dando glória a Deus, e estando certíssimo de que o que Deus tinha prometido, também era poderoso para o fazer” (Romanos 4:20-21). Palavra de Deus também é promessa, e bem-aventurado aqueles que a guardam, respeitam e esperam, mesmo na aflição, como diz o salmista no Salmo 91:15, “Quando ele me invocar, eu lhe responderei; estarei com ele na angústia, livrá-lo-ei, e o honrarei”. Poucos percebem que Deus promete estar com o crente durante seu período de angústia. Dure o que durar, haverá livramento, mas principalmente incessante companhia divina antes, durante e depois. O Salmo 119 (vv. 49-50) também proclama esta verdade: "Lembra-te da promessa que fizeste ao teu servo, na qual me tens feito esperar. O que me consola na minha angústia é isto: que a tua palavra me vivifica". Basta crer na Palavra-Promessa de Deus. Ele não te desampara e não te deixa atravessar sozinho a aflição. E se for difícil crer, siga o conselho de Abraão para fortalecer a sua fé: louve!
Obviamente, muito ainda há que se estudar e escrever sobre o Salmo 119, mas ficamos por ora com algumas reflexões sobre este Salmo tão rico em ensinamentos.
FONTE DE PESQUISA
http://www.e-cristianismo.com.br/vida-crista/reflexoes-no-salmo-119.html
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